sábado, 16 de outubro de 2010

“Os jornais noticiam tudo, tudo, menos uma coisa de que ninguém se lembra; a vida!”

Último ensaio! Caindo na real...

Percebi que o filme que eu pretendia que fosse lúdico passou a ser quase um programa jornalístico, apesar de absurdo. Isso acontece porque os personagens têm com a câmera (além da relação de atuação) uma relação para com ela. Explico: A câmera se tornou um novo elemento. Descobrimos que ela faz parte dessa história e que além de suporte técnico, ela se torna cúmplice dos personagens, que aos poucos vão nos mostrando sua relação (seu desenvolvimento) diante dela, uma proximidade teatral. Isto acontecendo, o que temos como produto são cenas com textos dirigidos diretamente para a câmera (ou para o câmera), para o espectador como cúmplice, para o espectador como imprensa, como consumidor, para o espectador que se encontra do outro lado da "quarta parede" (a tela, no caso).

Visto que não se trata mais de uma história lúdica, como pretendia, o que posso prever como resultado da linguagem das cenas internas são os elementos de trucagens que buscarão o absurdo das situações propostas por cenas, na não-linearidade narrativa e no traço arquetípico dos personagens. Vi no ensaio de hoje um espetáculo (um filme!) cru, que imaginava-se (inconscientemente) colorido, mas que o roteiro já o predestinava como preto, branco e vermelho. Sem muito tempo para firulas ou trombetas, o que as cenas que se passam no palco pretendem, mais do que nunca, é fazer daquele zé ninguém uma notícia; direta e imparcial. Isso significou que caí na real.

Zé da Silva morreu e não foi pro céu. Antes ele precisa virar notícia. A imparcialidade dos repórteres (por mais que já tenham uma personalidade), será o diferencial nas atuações. Zé, por sua vez, trará no instante após sua morte, sua trajetória envolvida por sentimentos ainda vivos dentro dele, como o amor por sua mulher, Maria; o prazer em encontrar seus amigos; o desejo pela prostituta do Beco da Rua Bom Despacho, o gosto pelo cafezinho e pela cachaça, a busca por sua fé.

Atores bem encontrados em seus personagens; muita coisa se perde, muita se constrói, se improvisa. A essência de cada personagem já exala nos ensaios. Agora é firmar a idéia, contribuir com seu entendimento, vivenciar este contexto “fantástico” para que se faça bom aproveito da mensagem que Zé da Silva tem a dizer:

“Os jornais noticiam tudo, tudo, menos uma coisa de que ninguém se lembra; a vida!”

(Rubem Alves)

Um comentário:

  1. A algumas semanas eu li no Super, uma manchete :"Achado morto com a genitália arrancada". Isso , assim,alí,pra qualquer um ler, inclusive as crianças, com a foto do cara e tudo em letras garrafais na capa do jornal, exposto na porta da padaria que compro meu pãosinho de cada dia. Esse desceu difícil naquele dia, em que fui confrontado com essa realidade nua, de Zés-da-Silvas diários sendo que a violencia tão banalizada não choca ninguém mais. Um cara que estava lá deu rizada ao ler a notícia...
    Que isso pensei, a que ponto chegamos.
    Isso remeteu-me ao roteiro de Zé da Silva , que o reporter diabólico confronta nosso herói, dizendo a ele que "sua morte não basta, pois morre um Zé da Silva todos os dias, tem que ter muito mais pra virar notícia !".
    Nesse tanto ? pensei eu. Na realidade somos nós mesmos os fomentadores dessa carnificina impressa com tinta e sangue da sociedade que vemos e lemos nos jornais, que realimentamos comprando, consumindo, e rindo.
    Estes para mim, assemelham-se aos traficantes que espalham a droga, viciam as pessoas e nós os enrriquecemos e os alimentamos como nosso vício, e nossa vida que nos é tirada pouco a pouco. Só que em vez de maconha, crack e cocaina, esses tablóides traficam estupidina e burronha, pois de tanto consumirmos essas drogas, perdemos o dicernimento e nossa capacidade de autocritica enquanto sociedade, assim vamos emburrecendo e tem gente que já da rizada.

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